sexta-feira, 19 de fevereiro de 2021

2005 - Souza et al. - Quaternário do Brasil

 


"O Quaternário, que corresponde ao período mais recente da história da Terra, é também conhecido como “Idade do Gelo”, pela forte influência sobre o meio ambiente das diversas glaciações que teriam ocorrido nesse intervalo de tempo. Além de ser bioestratigraficamente definido por fósseis de megafauna típica de mamíferos, pode ser considerado como “Idade do Homem”, advindo daí termos como “Antropozóico” e “Psicozóico”, referindo-se a esse período.

As propriedades do ambiente terrestre no qual estamos vivendo resultam de longa evolução (4,6 bilhões de anos) através do tempo. É importante entender cada vez melhor os diferentes processos que controlam essa evolução, para se tentar prever as mudanças futuras. Portanto, esse ambiente não deve ser considerado como herança imutável concebida pelo “Criador”, mas representa um sistema dinâmico de mudanças complexas em  reorganização  constante,  acionada  por  forças  internas  e  externas.  Durante  o  tempo  geológico,  foi caracterizado  por  variações  múltiplas,  que  prosseguem  até  os  dias  atuais,  acionadas  por  mecanismos astronômicos,  modificações  atmosféricas,  fenômenos  geológicos,  etc.  O  advento  do  Homem  durante  o Quaternário introduziu um novo agente dessas mudanças, cujo papel não pode ser desprezado em quaisquer reorganizações do ambiente terrestre. Assim, o Quaternário representa um período excepcional, cujos eventos são comparáveis a eventos que ocorreram em toda a evolução geológica do planeta, seu estudo podendo também conduzir ao prognóstico dos acontecimentos futuros.

Freqüentemente, os cientistas são acusados de desenvolver pesquisas muito especializadas somente para simples satisfação da ânsia do saber. Entretanto, o aperfeiçoamento de técnicas observacionais e analíticas nos mostram que a Terra representa, por assim dizer, um imenso sistema ecológico com interações de fatores múltiplos, cujo entendimento só será possível pelo aprofundamento cada vez maior de pesquisas especializadas.

As glaciações, que representam eventos de variações climáticas extremas, repercutiram sobre todos os ambientes do nosso planeta e causaram:

a) modificações nas zonações climáticas da Terra em função das mudanças nas circulações atmosféricas e oceânicas, com conseqüentes redistribuições na precipitação atmosférica e na cobertura florística;

b) regressões (recuos) e transgressões (avanços) dos oceanos sobre os continentes, associadas às subidas e descidas  dos  níveis,  em  função  das  alternâncias  dos  períodos  (ou  estádios)  glaciais  e  interglaciais, respectivamente;

c) mudanças na velocidade de rotação ou na intensidade do campo gravitacional devidas às distribuições de massas na Terra;

d) deformações dos substratos rochosos das regiões glaciadas, que são deprimidas pela sobrecarga de gelo durante as glaciações ou soerguidas em épocas pós-glaciais pelo alívio da sobrecarga.

Como  o  Quaternário  representa  um  período  de  tempo  geológico  relativamente  curto  (cerca  de  1,8 milhão de anos), as evidências são suficientemente bem preservadas e mais numerosas, quando confrontadas com as de idades mais antigas. Desse modo, os resultados obtidos são mais precisos e, além disso, permitem estabelecer comparações com dados de mesma natureza ligados aos processos atuais, conduzindo à realização de pesquisas interdisciplinares. Embora as pesquisas possam ser conduzidas independentemente e usando métodos  próprios,  só  a  integração  de  todos  os  dados  conduz  à  melhor  compreensão  dos  fenômenos  do Quaternário.

A INQUA (International Union for Quaternary Research) considera essenciais as seguintes áreas de conhecimento do Quaternário: arqueologia, (paleo)climatologia, geologia e geomorfologia do Quaternário, glaciologia, paleolimnologia, paleontologia, paleopalinologia, (paleo)ceanografia, (paleo)pedologia e vulcanologia. Naturalmente, as intensidades de pesquisa em cada uma dessas áreas de pesquisa do Quaternário em diferentes países do mundo dependem, entre outros fatores, das suas peculiaridades geográficas e geológicas. Desse modo, os estudos de processos glaciais são mais importantes em regiões de altas latitudes ou altitudes e as pesquisas de variações de níveis do mar são essenciais em regiões litorâneas.

Até o fim da década de 1970, praticamente não havia interdisciplinaridade nas pesquisas do Quaternário do Brasil, que se restringiam aos estudos paleontológicos, geomorfológicos e pré-históricos. O XXV Congresso Brasileiro de Geologia da SBG (Sociedade Brasileira de Geologia), realizado em 1971 em São Paulo (SP), representou um importante marco, pois ocorreu o Primeiro Simpósio do Quaternário no Brasil e foi criada a Comissão Técnico-Científica do Quaternário no âmbito da SBG. Finalmente, em 1984, com o surgimento da ABEQUA (Associação Brasileira de Estudos do Quaternário), desvinculada da SBG e aberta a todas as disciplinas do Quaternário, foi iniciada uma fase mais profícua de pesquisas interdisciplinares.

A ABEQUA tem participado ativamente em vários projetos internacionais do IGCP (International Geological Correlation Programme) e, finalmente, do IGBP (International Geosphere-Biosphere Programme) por meio do LOICZ (Land-Ocean Interactions in the Coastal Zone). Através desses diferentes projetos foram organizadas várias reuniões internacionais, que propiciaram valiosos intercâmbios entre especialistas brasileiros e estrangeiros, muitos deles de grande renome.

Pessoalmente, tive grande satisfação em participar desde 1973 de pesquisas do Quaternário do Brasil com colegas da Universidade de São Paulo (USP), da Universidade Federal da Bahia (UFBA) e do Observatório Nacional (ON/CNPq) do Rio de Janeiro. Certamente, os conhecimentos até agora adquiridos deverão subsidiar adequadamente o desenvolvimento sustentável do país. Entretanto, não cabe aos cientistas tomar decisões, mas sim assessorar o desenvolvimento das atividades humanas, para que sejam executadas com a máxima racionalidade. Para isso, este livro deve representar uma fonte importante de consulta.

A diversidade de formação acadêmica dos autores e o grande leque de assuntos tratados neste livro mostram que os estudos do Quaternário do Brasil encontram-se plenamente estruturados." (Louis Martin - Diretor de Pesquisa da IRD (França)


Apreciem sem moderação.


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